quinta-feira, 9 de abril de 2009

Pelos Caminhos do Coração

Pelos caminhos do coração
Josiane Benedet

Sensibilidade, respeito e afeto.É assim que Gabriel Chalita, professor, escritor e secretario de Educação do Estado de São Paulo acredita que deve ser a relação entre mestre e aprendiz.Autor de mais de 35 livros, entre eles "Educação: a solução está no afeto" e "Pedagogia do amor", ambos da editora Gente, Chalita e disseminador da educação baseada em valores, ética e amor, para ele, pilares para uma educação sólida.

Em entrevista à Profissão Mestre, o secretário mostra como o ensino através do afeto pode transformar professores e alunos em seres humanos melhores.

PM - O que é a pedagogia do amor?

GC - Uma pedagogia voltada a formação de seres humanos íntegros, talentosos, críticos, conscientes. Nas salas de aula do mundo, o afeto pode ser traduzido de inúmeras formas, dentre elas, no jeito delicado de o professor corrigir o aprendiz, na forma serena de explicar, de transmitir informações, de tirar dúvidas, de perceber as dificuldades do aluno e tentar, a cada nova aula, contribuir para saná-las.

PM - Como conquistar a atenção e o respeito através do afeto?

GC - Essa é uma resposta presente no coração de todos nós. Se pararmos para refletir, veremos que só se chega ao coração pela estrada do amor, da preocupação real manifestada com o outro. Cabe ao professor realizar um esforço contínuo para compreender seus alunos e, assim, contribuir para que possam empreender uma boa caminhada na vida. É preciso paciência, sobretudo, para dar a atenção necessária aqueles que são muito diferentes de nós, mas, ao mesmo tempo, tão semelhantes em sua busca pela felicidade.

PM - Como um professor pode aprender a utilizá-la?

GC - Esse é um aprendizado que se conquista e se aprimora a cada dia. Uma experiência fundamentada no amor pelo magistério, no entusiasmo com que os professores vêem o progresso cotidiano dos estudantes e percebem, nessa evolução, uma parcela significativa de sua contribuição. O professor deve ser, antes de tudo, um observador atento de seus semelhantes, de seus aprendizes. Para isso, deve olhar seus alunos dentro dos olhos, com o respeito e a admiração de quem olha alguém capaz de surpreender, de crescer de forma contínua. Uma vez que acredita nessa possibilidade, o professor já está utilizando a pedagogia do amor.

PM - A aproximação entre professor e aluno é um dos pilares para se trabalhar a pedagogia do amor. Como fortalecer esse vínculo?

GC - Tratar os alunos de maneira sempre uniforme e nivelada é um equívoco. Aprendizes não são máquinas em linha de produção. Cabe ao professor agir com a sensibilidade capaz de detectar, em cada um desses estudantes, seus dons, talentos e potencialidades - na maioria das vezes sintonizados com suas histórias singulares. Chamar um aluno pelo nome e reconhecer suas qualidades de forma justa faz toda diferença. Da mesma forma, na hora de criticar é preciso utilizar extremo bom senso e, de preferência, não fazer isso na frente de toda a turma. Uma conversa, mesmo rápida, após a aula ou na hora do intervalo será muito mais eficáz do ponto de vista pedagógico. É possível fazer das aulas, das exposições dos temas e disciplinas um momento único. O educador precisa ser movido pela crença de que pode transformar cada um de nossos aprendizes em seres humanos melhores.

PM - Como preparar os educadores para trabalhar com afeto?

GC - Esses conceitos são repassados aos educadores de forma contínua nas capacitações, palestras, congressos, teleconferências e videoconferências destinadas aos profissionais que compõem a rede estadual de ensino de São Paulo. Nessas oportunidades, trocamos experiências sobre o dia-a-dia na sala de aula, discorremos sobre novos programas, projetos e ações, mas, sobretudo, enfatizamos a importância do educador no processo ensino-aprendizagem. Procuramos lembrar nossos mestres sobre seu papel determinante na formação das novas gerações, dos futuros cidadãos. Mostramos a eles que, nesse contexto, o afeto é um componente essencial que serve de base na relação mestre-aprendiz. Entre professores e estudantes deve haver respeito, admiração e amizade - sentimentos e ações contrárias ao autoritarismo e a imposição do respeito pelo medo, pelo grito. Na educaçaão de crianças e jovens, principalmente, o aluno está apenas começando a trilhar a jornada da vida. Um momento especial que demanda exemplos e referências que o auxiliem a construir seu futuro, a identificar talentos e potenciais que o levem a encontrar seu lugar no mundo.

PM - O que acontece quando o professor não consegue estabelecer essa relação de afeto com a classe?

GC - O sintoma mais evidente é um sentimento de perda, tanto para os educadores quanto para os educandos. O processo ensino-aprendizagem tem de ser fundamentado em doses equilibradas de razão e sensibilidade. Na Era da Informação e do Conhecimento, em que os aprendizes tem acesso as fontes mais variadas de informação, é necessário ensinar com amor e afeto, sob pena de o educador não conseguir cativar o aluno para a aventura dessa troca mágica de ensinamentos que deve ocorrer no ambiente escolar. O professor tem de oferecer aos estudantes algo que os computadores, livros, jornais e revistas jamais poderão propiciar: a beleza proveniente do relacionamento humano e todas as possibilidades positivas que vem no seu encalço.

PM - Quais as diferenças entre o aprendizado de uma criança que usufrui da pedagogia do amor e outra que não encontra essa possibilidade?

GC - A criança que desfruta de uma pedagogia fundamentada no amor passa a ver a escola e o aprendizado como um prazer e não obrigação. Para ela, o professor passa a ser um amigo verdadeiramente interessado em sua evolução como ser humano, em seu crescimento emocional e intelectual. E claro que ela não formula as coisas dessa forma racional, mas, a seu modo, a entende que esta recebendo atenção especial. Trata-se da única pedagogia possível de ser bem-sucedida. Já a criança que não desfruta dessa possibilidade perde uma chance valiosa de aprender com prazer e amor. Sua trajetória educacional pode ate ser bem-sucedida quando se fala em aprendizado de conteúdos, mas esse caminho será sem dúvida mais árido, menos colorido, menos parecido com o que se espera de um universo propício ao desenvolvimento infantil.

PM - Qual é a importância da proximidade da família com a escola? No que isso pode melhorar o aprendizado da criança?

GC - Uma vez que a família participe da vida escolar do aluno a ponto de comparecer as atividades desenvolvidas dentro da unidade de ensino, a criança passa a ver o ambiente educativo como uma extensão de seu lar. Ela será uma segunda casa que promove a aproximação entre as pessoas que se importam com seu desenvolvimento, com seu aprendizado, com o despertar de seus talentos e habilidades. O aprendiz só tem a ganhar com essa proximidade, essa ação conjunta que facilita, sem dúvida, sua adaptação ao espaço escolar e sua relação com o processo ensino-aprendizagem.

PM - Desde 2003 o Estado de São Paulo investe no programa Escola da Família. Quais foram os principais resultados obtidos até agora?

GC - O resultado de pesquisas realizadas recentemente comprova a aceitação popular do programa por meio da presença macica da população nas escolas durante os finais de semana. Foram mais de 140 milhões de participações durante esses dois anos. Em muitas localidades, as estatísticas apontam uma redução significativa nos índices de violência e de criminalidade após a implementação do Escola da Família. Uma vitória que nos enche de orgulho e nos presenteia com o ânimo necessário para prosseguir desenvolvendo projetos e ações em prol de uma educação de excelência nas escolas da rede estadual.

PM - Os professores reclamam que as crianças estão cada vez mais rebeldes e alguns partem para o autoritarismo como forma de combater a indisciplina. Tratá-los de forma autoritária é o caminho? Por quê?

GC - O autoritarismo nunca é um bom caminho para nada. Quando o assunto é educação, é preciso conquistar os aprendizes por meio do respeito, do afeto e da troca produtiva de conhecimentos que se estabelece no dia-a-dia entre mestres e aprendizes. O caminho é a conversa franca, a exposição clara das opiniões, das situações positivas ou críticas. O professor tem de ter a capacidade de falar bem, mas, principalmente, a de ouvir, a de perceber o que se passa a sua volta. Alunos são, antes de tudo, seres humanos. Crianças, jovens e adultos repletos de sonhos, desejos, anseios e, ás vezes, traumas e revoltas. Não é por meio do autoritarismo que se toca o coração de ninguém.

PM - Na sua opinião, qual é a importância de a escola resgatar valores como ética, respeito, amizade, entre outros?

GC - A ética é a base sobre a qual devem ser apoiadas todas as ações humanas. Uma educação sólida, fundamentada em valores e virtudes, molda o caráter das pessoas com essa consciência, que é uma espécie de argamassa indestrutível, impermeável. A ética passa a ser, então, muito mais do que uma virtude pessoal. Ela se transforma em bandeira, em instrumento de trabalho, em missão de vida. Já o respeito, a amizade e outros tantos valores necessários à edificação de um tempo mais fraterno e solidário são também componentes essenciais que possibilitam a feitura de uma sociedade mais condizente com os nossos sonhos e ideais.

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